sábado, 19 de fevereiro de 2011

Histerismo


_Olha só você... Toda ensopada de leite!...
Virgínia constrange-se, não para de olhar para o chão, tenta justificar-se:
_É falta do que fazer...
_mas falei para você não tirar férias de trinta dias...
_duas semanas sem sair de casa... você não está legal!...
_Fui demitida...
_ O que?!...
_Menti quando disse-lhe que havia tirado férias...

Armazém


Uma menininha 
cabelo fino e fina
Um menino banguela dos da frente

O dinheiro curto

O pai 
um metalúrgico típico no fim de semana
vinagre, quatro cebolas
e dois pirulitos de dez centavos 

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Declínio


A Odalisca - Matisse

As mãos suadas esfregavam-se na calça jeans. Ela não gostava de sentir suas mãos úmidas. Ao alisar os cabelos, fios e fios caiam pelo chão devido à oleosidade. Recolhia-os e partia ao meio como um gesto de alívio. A fragilidade dos fios causava-lhe um certo consolo. Sua beleza a cansara tanto que fizera com que ela procurasse, a todo instante, um pequeno descuido destrutivo.
Desejava ardentemente o aparecimento de espinhas em seu rosto só para ter o prazer de espremê-las e ver sair o pus branco. Ela dizia que a sensação era semelhante à de um orgasmo, e o pus, ao de uma porra bem gozada. Seu empenho por comprimir aquelas tão bem-vindas espinhas valia mais do que um belo e harmonioso rosto marcado.
Mordiscava suas unhas e deixara de pintá-las. As vezes, alguma sujeira acumulava, e ela limpava-as com os dentes.
Não tinha os mesmos cuidados com os dentes que, outrora alvos, agora já apresentavam alguns sinais de amarelamento. Parara de passar fio-dental e frequentemente dormia sem escová-los. Só fazia isso quando não suportava mais o seu hálito.
Mas durante algumas ligeiras noites... transformava-se numa mulherzinha quase perfeita e formosa. Saía pela rua, e o pus noturno se transformava em um sêmen jorrado em sua entranhas.  

Shadows


Ia falar da noite lavrense, mas esta luz, este sol, estas miríades de cores a me atravessar as pupilas me inspiram outra coisa.

Falarei, pois, do encanto diurno, do bucolismo acentuado que chega a marcar a cidade com o (belo) estigma do brejeirismo, da graça interiorana e provincial.

Em Lavras, ao andarmos pelas calçadas de qualquer rua, em qualquer bairro, é preciso que nos mantenhamos sempre atentos, olhar projetado à frente. O risco de toparmos a testa em algum luxuriante carvalho é grande.

Por aqui, do escaldante verão ninguém sofre a pena. Caminha-se à fresca por toda a parte, mesmo no mais abrasivo meio-dia. E os rostos femininos podem ser contemplados com a delicadeza que somente uma sombra vegetal proporciona, sem o derramamento de cores, ou qualquer ansiedade ruborizada e suarenta. As copas das árvores, em sucessivas alamedas, oferecem essa paleta de pura sobriedade, de frescor umbroso que retém as cores e linhas e epidermes em seus devidos contornos.

Os quase tapetes de folhas e filifolhas, que cobrem diariamente as calçadas e ruas, podem por vezes nos trair e derrubar os mais incautos. É um preço pequeno a se pagar por tamanha carícia visual. Egocêntrica e insatisfeita com seus espaços determinados, a natureza, num último esforço de expansão, faz dos asfaltos a morada derradeira de seus frutos, folhas e pequenos galhos. Fermentação, doce troca molecular, aroma indefectível de asfalto e verdura se confundindo a 32º C.

É verão na cidade das árvores!!, é a temporada da luz extrema devidamente atenuada pelo anteparo generoso de 27289 árvores (segundo o último censo), espalhadas em todos os recantos dessa charmosa localidade.

Vista de um avião, fotografada das alturas, Lavras adquire sua dimensão mais exata. Uma enorme mancha verde aqui e ali maculada pelo cinza de seu casario século XIX, ou pela imponência concreta de edifícios magníficos. Mas nesta aquarela o verde predomina, dita seus tons a um tempo delicados e firmes.

Lavras, cidade enraizada no culto ao verde, no ardor de copas magníficas que, em seu ímpeto e largueza, quase nos desfalece numa hemorragia clorofílica.

Para chegar a Lavras, queridos peregrinos, basta seguir as indicações deste site (organizado por este escriba).



Adieu!!

(Autor: Garrel) Texto retirado do Guia Verde Lavrense, de autoria de Garrel (Edições Ipês, 2006, páginas 112 e 113).

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Jantar a dois


Ela treme ao jogar azeite na alface
saca-rolha sob a mesa
o assado no forno

Tenta impressionar
com seus talheres,
duas taças embaçadas
e seus seios balzaquianos

Ingênua...
A indiferença:
indícios da vidinha privada

-Faça o seguinte
quando for ao banheiro
bata com a cara no espelho
transfigura-se
e volte para a mesa de jantar
figurada

Cortante


Janela despedaçada por um forte ato impensado
pedaços de vidro esmigalhados no chão
uma mão acidentada, exausta e suada
inevitáveis e profundos cortes

Pés respingados por gotas vermelhas
refletindo a selvageria 
Sexo, ira e aquela menina poluída 

Não bastando o sangue da garota
e todas as suas fantasias da primeira vez perdidas
O vidro providenciou o que faltava...
O trágico

 Tiago e Lucas