domingo, 30 de janeiro de 2011

O Mito de Sísifo - Albert Camus



(...)De um administrador de imóveis que tinha se matado, me disseram um dia que ele perdera a filha há cinco anos, que ele mudara muito com isso e que essa história “o havia minado”(...)

"Começar a pensar é começar a ser minado."

                                                      Albert Camus


Macaia


O carro 1.0 acelera pouco
procura alguma cidade
debilitada pelo simplório
onde homens e mulheres sobrevivem
da pesca ilegal
da fritura de pequenas traíras
vendendo cerveja a três 'conto'
para turistas pobres como você

Na estrada
alguns fenômenos pingados
um caroneiro cozinhando no asfalto
caminhões impedindo a passagem
um andarilho em sua rotina

o vento - albina vazão

Chegando no pequeno lugarejo
“A abatida Igreja à beira d'água”
Portas fechadas
pombos na torre do relógio

Na margem da represa barrenta
Um estranho lamaçal_
Um negão de meia idade
encostado
numa RANGER 2.4 monumental
ao seu lado
uma ninfeta amarela
sentada
abraçada com os joelhos
usando um micro biquíni vermelho
esvaziando uma lata de cerveja
e baforando seu cigarro mole

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

AVISO DE DESPEJO














Lagartixa Morta - foto de Rafael Nolli

poeta mente quando diz
que o amor é uma flor rara,
colhida nos verdejantes jardins da vida.

O amor, deveria ele dizer,
é o ato de desespero
no qual o homem se agarra:
é o chão que anseia o suicida –
mas embaixo há apenas abismo e caos.

Mente o poeta quando diz que o amor
é o porto seguro onde se ancora
mente duplamente quando diz que Deus
nos fez para amarmos uns aos outros.

O amor, deveria ele dizer,
é a bóia que anseia o afogado,
mas há apenas água
mais água em sua ânsia de boiar –
acima um pouco de céu sem fundo
à baixo um universo de barro e lodo.

Amor é um cio estragado.

* do livro Comerciais de Metralhadora

L. RAFAEL NOLLI


quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Vista


A estranha prosa do viúvo com o vizinho negro
sobre dormentes de trilhos
O filho morgado mantinha-se imóvel na sala
e nos sofás
algumas primas
com almofadas sob as barrigas

O seguro cobriu 70% do rustico caixão,
mais a maquiagem da defunta,
coberta de folhagens e flores

a matriarca havia cumprido o protocolo

A filha caçula
usava dois fones nas orelhas
ouvia algo 
e pouco chorava

La Muerte de Pablo Escobar, Fernando Botero.


domingo, 16 de janeiro de 2011

Janeiro


Numa janela do segundo andar
o velho Joel
o hipertenso chuvisqueiro
a rua esburacada
e as grandes poças encardidas

Fios elétricos servindo de refúgio
aos pássaros

Ervas daninhas
proliferando no encolhido beiral

rua entorpecida “

Na contramão
tizius
o ribeirão
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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Do caos a estrutura

João Cabral


"Vinicius de Moraes faz poesias para embalar o leitor, enquanto eu a faço para jogá-lo no chão"

Certo dia Cabral parou para escutar alguma coisa do Vinicius com Jobim. Na quarta música, eis que surge novamente a palavra "coração". Não se conteve e pê da vida: "Ô Vinicius, não dá para trocar de vícera, não?" 

Uns versos com rins, sinusite, dores de cabeça, estrias, sabão...

"O artista, embevecido, penteava a metáfora, trocava uma palavra, bordava outra imagem, tudo no varejo do verso, e não no atacado do poema." Para Murilo Mendes.



Lendo essas críticas  do Cabral e mais alguns troços, pensei logo em todos esses blogs e sites inchados de devaneios hormonais, abstrações, romantismo, metáforas, fantasias, o mundo da lua e etc e tal... 
E o que anda faltando nessa atual "poética do cocô mole estrelar", é pedra! Não a de Drummond, mas uma que faça o poeta distraído cair com a cara no chão engolindo terra goela abaixo.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Prematuro

Seis da manhã
olhos entreabertos
sono pedente
aquele resto de juventude despertando
As duas canetas esferográficas no bolso
documento de identidade
e o papel indicando o local da prova

Adentra a cozinha
a mesa
cinco conto pela metade
pratos e talheres molestados
a pia enfurnada de louças sujas
formigas

Passa pela sala
uma bicicleta revirada no piso frio
cds espalhados
um livro
manchas de infiltrações
mofo nas periferias do comodo

Abre a porta que arrasta no chão
sobe os degraus verdes de musgo
o portão cinza ressoa como um galo enferrujado
Ao ver a rua de outono
um vento seco e psicanalítico esbarra-lhe
os lábios ressecam
e por um instante
seus olhos se empoçam de lágrima

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011