domingo, 20 de junho de 2010

Casamento

                                                                                    
















Há dois cômodos brancos na casa
Que separam duas vidas incomuns
e se fazem presente na estranheza do convívio relutante.


No café, a amargura do gosto quente
Mistura-se com o mau hálito do álcool da véspera
Entre um sussurro e um grito
O ódio queima as vísceras do inimigo.


À tarde, a cópula ainda indesejada
Causa violência estomacal.
O outro fica a observar como bicho faminto
As unhas vermelhas que tocam a vulva.


Sem palavras e muitos ressentimentos,
Impregnado de imagens eróticas
O casal se sacia com a masturbação
E se vê obrigado a partilhar o alimento.


Dani R.F.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Cinzeiro

Juntamente com o vento de junho, as pipas perdem-se no plano azul. Ao lado de um pequeno ribeirão, meninos jogam bola na vermelhidão do terreiro. Duas ociosas jovens, as geradoras dos meninos, saem de dentro do barraco frio para tomar o sutil sol das onze. Os pequenos shorts apertados explicitam suas longas pernas negras e expõem seus “arrebitados molejos”. Elas assentam no improvisado banquinho de bloco e tábua, acendem suas biras sonolentas e os seus olhares se perdem. A prosa torna-se mole, e a agoniada espera do marginal é amenizada pelo tabaco. O resto do cigarro se esvai ligeiramente como o vento e as cinzas são levadas para algum lugar.

O neguinho grita gol e a bola atravessa a cerca caindo dentro do ribeirão. Ele se desespera e pula a cerca como um bicho. Sem chinelos, adentra a água cinzenta e fétida e em frenética disparada, corre atrás da redonda. Por sorte consegue pegá-la pelo pequeno fluxo de água no ribeirão. Com a chegada do artilheiro no terreiro, os amigos tapam os achatados narizes e a mãe, ao ver o estado do filho, sai do seu estado de languidez. Enfurecida, vai atrás da cria e agarra o arisco bichinho pela orelha, levando-o até a torneira e ao mesmo tempo que esguincha água nas pernas russas do menino, aproveita para acertá-lo com a mangueira. Os gritos da criança naquele lugar não surte efeito algum. O artilheiro, depois do meio-banho e agora de castigo, assiste da janela do barraco seus amigos na pelada.

A negra ácida volta a coversa mole com a irmã.

sábado, 5 de junho de 2010

Norambuena









Salvador Dali


Em meio ao solilóquio harmônico
De um escritor de Castella,
Algo rompe no espaço
A concentração quase didática
De meu ouvido.

Um ritmo forte num tempo constante
Embalou-me com sua serenidade.
A respiração compassada de meu cão
Derrubou-me do pedestal de minha prepotência,
Igualando-nos à condição de dependentes do oxigênio.

Calou-se o espanhol.
E na sala de estar,
Um acompanhado do outro,
Compartilhamos a solidão da noite
E o elemento vital que nos une
E nos consome.


                          Norambuena.